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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Serie - Conhecendo o Inimigo: Parte 1

A obra Cartas de um diabo a seu aprendiz, também conhecida como Cartas do Inferno.Dedicada ao seu amigo J. R. R. Tolkien (Senhor dos Anéis), esta obra-prima da ironia divertiu e instruiu milhões de leitores com seu retrato zombeteiro e irônico da vida humana feito a partir do ponto de vista do diabo Fitafuso (Screwtape). Ao mesmo tempo freneticamente cômica e surpreendentemente original, a correspondência entre o experiente diabo e o seu sobrinho Vermebile (Wormwood) mostra o lado mais sombrio e jocoso de C. S. Lewis. A obra reune várias cartas destinadas ao inesperiente aprendiz de diabo, Vermebile (Wormwood), nas quais o leitor pode identificar vários aspectos do pecado, tirando bem-humoradas e, ao mesmo tempo, sérias lições.
Segue abaixo um dos capítulos que compõe esse livro:


Querido Vermebile;

Compreendo o que você diz sobre guiar o seu paciente em suas leituras e também fazer de tudo para que ele sempre tenha encontros com o tal amigo materialista. Mas será que você não está sendo um pouco ingênuo? Parece que você vê a argumentação como o melhor método para mantê-lo afastado das garras do Inimigo. Talvez fosse esse o caso se ele tivesse vivido alguns séculos atrás. Naquela época, os humanos sabiam muito bem quando algo era provado logicamente ou não; em caso afirmativo, simplesmente acreditavam. Ainda não dissociavam seus pensamentos de suas ações.Estavam dispostos a mudar o modo como viviam a partir das conclusões tiradas de uma certa cadeia de raciocínio. Mas, com a imprensa semanal e outras armas semelhantes, conseguimos alterar td isso. O seu paciente sempre foi acostumado, desde criança, a ter uma dezena de filosofias incompatíveis dentro de sua cabeça. Ele não classifica doutrinas basicamente como "verdadeiras" ou "falsas", e sim como "acadêmicas" ou " práticas", "antiquadas" ou " contemporâneas", "convencionais" ou "crueis". O jargão, e não a argumentação, é o seu melhor aliado para afastá-lo da Igreja. Não desperdice seu tempo tentando fazê-lo pensar que o materialismo é verdadeiro. Faça-o pensar em algo sólido, ou óbvio, ou audaz - enfim, que é a filosofia do futuro. É com esse tipo de coisa que ele se importa.
O problema da argumentação é que ela leva a batalha para o campo do Inimigo. Ele também pode argumentar. Mas, graças ao tipo de propaganda realmente prátia que sugiro, durante séculos foi imporssível provar que Ele é inferior a Nosso Pai nas profundezas. Pelo próprio ato de argumentar, você desperta, como saberemos o que daí poderá resultar? Mesmo se uma cadeia de pensamentos puder ser distorcida a nosso favor, você logo descobrirá que fortaleceu no seu paciente o hábito fatal de atentar para questões universais e ignorar o fluxo de experiências sensoriais imediatas. O seu dever é fazer com que ele fixe a atenção nesse fluxo. Ensine-o a chamá-lo de "vida real", e não o deixe indagar-se sobre o que você quer dizer com "real".
Lembre-se: ele não é, como você, um espírito puro.
Como você jamais foi humano(ah, que vantagem abominável do Inimigo sobre nós!, não se dá conta do quanto escravos das coisas mundanas. Certa vez tive um paciente, um ateu convicto, que tinha o hábito de ler no Museu Britânico. Certo dia, enquanto lia, vi que em sua mente um pensamento tentava levá-lo para o caminho errado. O Inimigo, é claro, estava ao seu lado nesse momento. Num piscar de olhos, vi todo o trabalho que me tomou vinte anos começar a ruir. Se tivesse perdido a cabeça e tentado ganhar pela argumentação, talvez tivesse sido derrotado. Mas não fui tão estúpido. Imediatamente ataquei a parte do homem que melhor contralava - sugeri que já estava na hora de almoçar.
Talvez o Inimigo tenha feito uma contraproposta ( você sabe que não é possível ouvir nitidamente o que Ele lhes diz?), dizendo-lhe que aquilo era mais importante que comida. Pelo mwnoa acho que essa foi sua linha de argumentação, pois, quando eu disse "É verdade. Tão importante, de fato, que a hora do almoço não é uma boa hora pra se pensar nisso", o paciente pareceu bem amis contente; e quando acrescentei estas palavras, "melhor voltar depois do almoço e pensar nisso com calma", ele já estava se dirigindo à porta. Mal chegouà rua, venci a batalha. Mostrei-lhe um menino que vendia jornais gritando a manchete do dia, um ônibus de número 73 passando e, antes mesmo que ele chegasse ao fim da escada, eu o fiz ter a inabalável convicção de que, quaisquer que sejam as idéias malucas capazes de ocorrer a um homem rodeado de livros, uma dose saudável da "vida real"(ou seja, o ônibus, o garotinho jornaleiro) já é suficiente para mostrar-lhe que "esse tipo de coisa" simplesmente não poderia ser verdade. Ele sabia que escapara por pouco. Anos mais tarde, gostava de falar sobre "o senso inexprimível da realidade, o nosso último refúgio contra as aberrações da mera lógica". Hoje ele se encontra a salvo na casa do Nosso Pai.
Percebe o que digo? Graças aos processos que desencadeamos neles, séculos atrás , todos acham simplesmente impossível acreditar no que é estranho quandoo que é familiar está bem diante dos seus olhos. Continue a fazê-lo perceber a natureza banal das coisas. Acima de tudo, não tente usar a ciência (digo, as ciências verdadeiras) como defesa contra o Cristianismo, pois as ciências certamente o enconrajarão a pensar sobre as realidades que ele não pode ver ou tocar. Já houve casos lamentáveis ente os cientistas modernos. Se ele precisa mesmo se interessar por alguma ciência, deixe-o lidar com enconomia e sociologia; não o deixe afastar-se da preciosa "vida real". No entanto, o melhor a fazer é evitar que ele estude qualquer ciência, e dar-lhe a impressão generalizada de que ele sabe tudo, e de que o que quer que ele aprenda com simples conversas ou com a leitura é "resultado de pesquisas modernas". Lembre-se de que você existe para confundi-lo. Do jeito que vocês diabinhos jovens falam, fica-se com a impressão de que o nosso dever é ensinar!.
Afetuosamente, seu tio, 
Fitafuso


Livro: Cartas de um diabo a seu aprendiz - C.S.Lewis

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